E quem cuida do presente e da saúde mental do Papai Noel?


A Tensão Pré-Natal de cada um de nós: lojistas ou não!

Maldito o dia que eu resolvi ler "Meu Pé de Laranja Lima", o romance, um clássico da literatura brasileira, de José Mauro de Vasconcelos. O livro é excelente! Um dos melhores e que deveria servir de obrigatório na formação de cada um de nós. Em determinada parte, conta a expectativa de uma criança pobre com a noite de Natal. Estou preso nesta imagem construída lá, por esta história, com a força destruidora de minha parca magia natalina.

É como se, ao tropeçar naquelas linhas, eu tivesse desnudado a visão para encarar a dureza crua da farsa que armamos todos os anos: o Natal que vendemos como "tempo de amor" é, na verdade, uma máquina trituradora de esperanças. Estapeamos a própria cara diante do espelho e assistimos, impotentes, o reflexo cruel do envelhecer acelerado, com a repetição das promessas que apodrecem sem serem cumpridas, o adiamento sistemático dos nossos momentos de cuidado íntimo, aqueles que realmente importam.

Cada vitrine iluminada, ou propaganda açucarada de família perfeita que invade nossas telas, é como um lembrete brutal que mais um ano terminou. O dezembro começa com a cobrança social de que você precisa estar à altura. Naturaliza-se a angústia, o convívio forçado com aqueles que passamos os outros 364 dias tentando evitar, como se fosse parte da festa, algo "normal de viver". É o limite do limite do colapso nervoso apenas para fazer de conta que tudo está bem na noite do dia 24.

Que indignidade nosso papel de presente! Certa forma, transformamos essa violência simbólica em tradição. Embrulhamos o desgosto em laço de cetim e chamamos de "espírito natalino". Azedo, eu? Quem sabe um pouco!

Dizem que dezembro é tempo de paz, amor e união. Talvez um dia tenha, realmente, existido assim. Ou, vai ver, é uma ilusão tal como a existência do velho senhor de barba branca e longa, barriga tipo a minha e que voa como um pássaro para entregar sonhos em embalagens coloridas.

Os cabelos, quando restam, já não param mais no lugar nem mesmo com reforço extra do melhor fixador para penteados. O peru está ainda na granja, longe da receita inconfundível que atravessa gerações, mas o olho esquerdo começa o ritual de tremer apressado, indicando que algo não vai bem.

Gente, somente eu que tenho um nervoso nesta época? Tudo bem, sou lojista e a Foster Pet Place costuma ser uma loucura - e isso explica muita coisa. Mas, também bate aí uma TPN, a Tensão Pré-Natal. Qual é? Todos não esquecem de ninguém, mas quem se digna a comprar o presente e cuidar da saúde mental do Papai Noel?

É uma sacanagem tremenda com o bom velhinho. Ele certamente está de saco cheio de tanto descaso. O homem do Polo Norte deve ser um lojista escondido no meio do disfarce, pode apostar! Sempre disposto a acertar na lembrança da data, enfrentando qualquer desafio para atender o desejo do consumidor. Repare que encantar com a troca de produtos ou serviços, ou seja, vender, é uma das profissões mais antigas da humanidade.

O escambo, a feira, o mercador contribuíram para sua época natalina. Mas, o que antes era feito por proximidade, por conhecer o cliente pelo nome, agora é estatística de clique. A internet é implacável, destrói valor, transforma o que era ouro em tokens gratuitos.

Muito além de um clique encurtar a distância, a grande rede destruiu a relação. Quantas brigas nasceram em função de uma desgraça de notícia falsa distribuída pelo "zap" da tia? O algoritmo entrega mais rápido que a conversa de balcão, mas não converte máquina em humanidade. E o lojista fica ali, um tanto deslocado de seu tempo, preso entre o aluguel que não espera e a concorrência que vende mais barato porque o jogo do comércio eletrônico é outro, com uma dinâmica de custo e expectativa de crescimento bem distante de uma loja de rua.

E aqui está aquela imagem teimosa que o livro construiu em mim. Zezé, o menino do pé de laranja lima, não é um, mas milhares espalhados por este Brasil. Todos esperando uma magia acontecer, um desejo se realizar, que o Papai Noel possa entregar na humilde janela aquele presente que custou o melhor comportamento possível durante um ano inteirinho. Enquanto uns discutem qual marca de panetone comprar, outros calculam se dá para ter ao menos um frango no lugar do peru.

Voltando aos festejos que fecham o ano, transformamos o Natal em prova de resistência emocional e financeira. O lojista precisa vender para sobreviver; o trabalhador já não suporta mais ouvir "Jingle Bells" no loop infinito. Todo mundo está performando alegria enquanto o corpo implora por um descanso que não virá.

Me desculpe! De verdade, sinto profundamente por estas reflexões ácidas, por esta mania de lembrar de quem é sempre esquecido. Se minhas letrinhas fossem uma carta para o Polo Norte, diriam algo bem simples: tira umas férias, velhinho. Descansa! A gente se vira aqui.

Porque olha, se o Natal é sobre renascimento, bem que a nossa nova versão poderia incluir mais honestidade, não é? Admitir que estamos todos exaustos dessa performance e que não aguentamos mais fingir dignidade. Acho que o Papai Noel, coitado, está pedindo demissão há anos mas ninguém aceita.

A ansiedade coletiva de dezembro não caiu do céu, é sintoma de uma sociedade que transformou celebração em competição que usa como régua do afeto o tamanho da conta do cartão.

O menino Zezé merecia um Natal onde a expectativa não virasse ferida aberta. Nós também. E se cuidássemos do Papai Noel que existe em cada um de nós? E se déssemos a ele o presente mais raro de todos: permissão para não “dar conta” de tudo.

Feliz Natal. Ou não. Escolha e seja feliz!


Postagem Anterior Próxima Postagem